Sergio Lima Surrealismo

SERGIO LIMA SURREALISMO

ALLÉGORIE RÉELLE DÉTERMINANT LES PHASES DE SEPT DÉCADES D'ANNÉES DE MA VIE ARTISTIQUE

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Memorial Anos 50

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Em função dos trâmites legais decorrentes da desvinculação de meu pai da ativa para a Reserva Militar, ficou acertada nossa ida para o Rio de Janeiro, junto a seus familiares. No Rio, fomos para uma casa desocupada das tias Dedema e Odete, rua Condessa Belmonte (Engenho Novo, entre o bairro de Lins de Vasconcelos ou “Boca do Mato” e o Meyer), onde moramos de 1947 a 1951. Nosso período no Rio, no Engenho Novo (subúrbio da zona norte), foi marcado principalmente pelo meu curso primário, em escola pública do bairro, muito boa aliás, e pela turma da nossa rua, com quem fiz regulares incursões aos bairros vizinhos e ao Morro do Cruzeiro, favela ao lado de nossa casa. Posso dizer que minha formação inicial na área plástica, concretizou-se vendo meu pai desenhar e pintar, reunir-se com os amigos discutindo arte, e mesmo algumas exposições que acabei frequentando, levado por ele. Tudo somado a um entorno múltiplo, cambiante e cheio de descobrimentos, de mil surpresas! Além dos Museus do Rio, que conheci todos em diversas idas periódicas, vale mencionar as leituras que então começava a fazer. Quer de autores brasileiros (Monteiro Lobato, O Mundo Primitivo de Hildebrando Lima, por exemplo), quer de algumas traduções que me interessaram, como Deuses Túmulos e Sábios, Kon-Tiki, ou coleção “Terra, Mar e Ar” com livros de Emilio Salgari, ou ainda as aventuras de Tarzan. Da mesma forma, devorava as histórias em quadrinhos (tanto “gibis” como O Tico-Tico). Por certo foram as “Edições Maravilhosas” com suas versões desenhadas dos clássicos da literatura que mais me encantaram e através das quais tomei um primeiro conhecimento, em textos condensados, de Iracema, Moby Dick, Morro dos Ventos Uivantes, Conde de Monte Cristo, Alice no País das Maravilhas, Os Trabalhadores no Mar e O Corcunda de Notre Dame, e muitas outras mais. Encanto também havia nas leituras em espanhol ou então nos livros ilustrados em francês (do meu pai), além das primeiras incursões em textos de mais peso, em traduções que marcaram época, como a série de Dostoievski, A Montanha Mágica de Thomas Mann, obras de Stefan Zweig, ou ainda as leituras das edições originais de obras de Jorge Amado, ou Menino de Engenho de José Lins do Rego, textos de Graciliano Ramos e outros então em destaque. No mesmo período surgem as idas sistemáticas às sessões matinês nos dois cinemas do bairro, com direito aos incríveis seriados: Flash Gordon, O Fantasma, O Cavaleiro prateado e companhia; assim como aos trailers dos filmes proibidos para menores (que só passariam à noite): The Big Sleep, White Heat, Dark Passage, Spellbound, Jane Eyre, Rebecca, Duen on the sun, Brute Force, Manon, Tourbillon, The Killers, etc. Também vi, como meus pais, Red shoes, Thief of Bagdad, The Letter, Samson and Delilah, The Third Man, e outros, inclusive alguns italianos.
Até onde posso lembrar, tais elementos foram experiências importantes que se somaram às de D. Pedrito. Experiências essas, em ambas as situações, tanto na fronteira do Sul quanto no subúrbio carioca, que me trouxeram vivências da singularidade. Eu era igual aos meninos da minha rua, participando de suas brincadeiras e descobertas, mas era também diferente. O conjunto de experiências no seio da família era diverso daquelas dos outros meninos.
Talvez seja oportuno sublinhar um fato logo notável para mim: estas minhas primeiras experiências simplesmente interligavam de maneira direta, imediata, a parte literária com a visual, com a plástica e o cinema, em vez de as separar em formas e linguagens distintas. Não por acaso, ao passar umas férias em Santos, na casa de tios onde (1950, meu pai já nos arranjos para virmos morar em São Paulo) copiei e compilei a partir da enciclopédia espanhola que possuíam, todos os itens e verbetes relativos aos deuses egípcios, à cultura egípcia e aos hieróglifos – uma escrita cifrada e que conserva toda uma parte visual e/ou imagem, do mesmo modo que outras inscrições e escrituras arcaicas, mas próximas da origem da escrita original, em tabletes ornados de pictogramas. Este esboço sobre o Egito, sinal de uma primária pesquisa, já lidava indistinta e sucessivamente com o texto e a imagem.
Se a época do entre guerras, dos 20 ao 30, possui um perfil característico, que não deixou de se prolongar, impregnando os 40, o mesmo não se poderia dizer dos 50. Penso que as situações e contextos dos anos 30 chegaram ainda até mim, via meu pai e suas histórias, seus relatos e lembranças de moço no Rio de Janeiro, da Cinelândia e da Lapa. Ao passo que os anos 50, já vividos por mim, diria que fizeram época com suas transições e inúmeras mudanças, rompendo de alguma forma com a continuidade que se estabelecera no imediato pós-guerra, período da segunda metade dos 40. Década esta, a de 50, pouco avaliada nos estudos correntes, visto seus êxitos não estarem isolados, nem compartimentados, mas sim apresentarem-se articulados num âmbito mais amplo, via de regra, mais ou menos sincronizados com fundas retomadas políticas e econômicas. E, no caso paulista, com a crescente emergência de um parque industrial inédito, a consequente industrialização da capital, e sua rápida transformação cosmopolita, em metrópole de revelo internacional.
Assim, tanto as ressonâncias das mudanças características do entre guerras que chegam até mim, quanto as muitas transições que presenciei, embora ainda bem jovem, de certa forma estabeleceram uma dinâmica marcante em meu desenvolvimento. Mesmo que não tenham ocorrido influências distintivas, pondero, no entanto, que todo este clima febril e inovador realmente fez parte de meus primeiros impulsos e de minha formação, dando-lhes uma espécie de tônus decisivo. Começava a atuar, pois, literalmente numa cidade em ebulição.
Quando começo a escrever e a pintar numa perspectiva autoral, ou de atuação consciente e definida – a partir de 1955/56 –, verifiquei uma espécie de sintonia entre a parte literária e a pictórica. Da mesma forma como ocorre com outros tantos artistas-escritores ou pintores-poetas.

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Por volta de 1960, já tendo compreendido a mudança vertiginosa da cidade de São Paulo,
comecei a me preocupar em fotografar os pontos mágicos dos asnos’50, os locos solus, os locais portadores do que chamei de “uma geografia sentimental” da cidade que vivi.
Tenho umas 16 fotos da Vila Itororó, que fiz com uma máquina Nikon do Tomoshigue Kusuno [depois ligado ao Yo Yoshitome, ambos do grupo Phases Austral]. Outro lugar de encontro e sonhações era a Vila Kyral, meio gótica e abandonada. Também tem o Castelinho da Brigadeiro, o Hotel Danúbio e suas saunas romanas.
Quando voltei dessa estada em Paris, obviamente senti falta dos lugares de encontro. Aqui não tinha cafés. O que tinha era balcão, de pé. Com exceção do Pari’Bar e do Fasano. Ou a Leiteria Americana, ponto de encontro depois da ópera. O primeiro café expresso, na galeria Califórnia, era de pé também. Mas enfim, procurei resgatar esses pontos simbólicos da cidade, que estavam carregados de uma presença, que não tinham nada a ver com a “cidade-cogumelo” do IV Centenário, que levantava um prédio por dia.
Tinham a ver , digamos, pois, com a garçonniére de Oswald e o diário do perfeito cozinheiro das”almas deste mundo” na Libero Badaró e a confeitaria da São Bento, onde Flavio de Carvalho se escondeu durante a Experiência n2! Bem em frente, tinha a única casa de sucos e bar, que servia suco de tamarindo e linguiças fininhas de Atibaia – com suas paredes de caixas de madeira e o chão todo forrado de serragem nova, a cada dia. Estes locais que mantinham ou eram como que os “lugares mágicos” de outrora, digo de antes da guerra.
Esses lugares em SP eram o Largo da Memória, a praça Roosevelt, quando era o maior espaço curvo em São Paulo. Entre os “lugares mágicos” tinha o Parreirinha, com suas rãs penduradas iguais a bonequinhas nuas, o Ponto chic e o restaurante Giratório. O Rosewood, com o filé chateaubriand recheado com ostras, e o ponto de jazz no Hotel Claridge. Na conselheiro Crispiano, na altura da primeira saída lateral do teatro Municipal, tem um prédio cujo térreo é todinho de mármore, com as portas em cobre, a recepção pequenininha e um elevador pantográfico. Entre o elevador e a parede você tem uma caixa de correio em cobre, de 1 metro e 20 por 1 metro e 60, por 90 centímetros. Isso é um “objeto achado” e que faz a “geografia sentimental”. Ou seja, isso retoma a questão do objeto surrealista, percebe…
Essa caixa de correio é um objet trouvé. Tem uma cena, no filme que estou fazendo, que a atriz principal [a Religiosa Portuguesa paramentada de chapéu de linho] vai conversar e dançar com essa caixa de “missivas licenciosas”. “A boca de sang’de uma religiosa portuguesa”, episódio do seriado Fantômas e a Religiosa Portuguesa.
O humor é um elemento de ruptura da realidade. De fato, o humour, no sentimento de Alfred Jarry, Allais, Roussel etc., é sempre uma posição-limite entre a consciência e o inconsciente. Portanto, ele não é ruptura. Ele está na ruptura. Se não tem o humor, não tem ruptura.

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LISTA DAS EXPOSIÇÕES 1961 A 2023

1961 Sergio Lima chega a Paris, com bolsa da Cinémathèque Française. Breton convida a participar do grupo e escolhe desenhos da série “Fauna Insular “ para ilustrar o tract “Sauve Qui Doit”, libelo que circulou como encarte da revista La Brèche. 

1961 Participa como membro do grupo surrealista em mostra manual promovida por Breton no café La Promenade de Vénus. 

1967 Cura a XIII Exposição Internacional do Surrealismo e a primeira no Brasil. MAB-FAAP, São Paulo, com artistas dos grupos de São Paulo, Lisboa, Paris e Buenos Aires. 

1971 Exposição Individual “O Molde e Seu Modelo”. Galeria Ars Mobile. Curadoria do artista 

1976 Exposição Individual “A Festa (Deitada)” no Museu de Arte de São Paulo/ Galeria Luisa Strina. Curadoria do artista. 

1978 Exposição “Sergio Lima: Collages”, com texto de Mário Schenberg e resenhada ainda por Radha Abramo, Geraldo Ferraz, Sheila Leiner, Pietro M. Bardi, dentre outros. Curadoria do artista. 

1986 Exposição individual “Collages – imagem como conhecimento”. Salão do Teatro. Edifício Comercial de Brasil em Buenos Aires 

1993 Exposição Coletiva ”Latein Amerika und der Surrealismus”, Böchum/Alemanha, organizada por Heribert Becker, José Pierre e Edouard Jaguer 

2001 Exposição Coletiva ”En torno al movimiento Phases: Menú – Cuadernos de Poesía”, mostra simultânea em Paris e Cuenca/Espanha. 

2004 Exposição internacional de collage “La Chasse à l’objet du désir”, realizada pela Liason Surréaliste em Montreal/ Canadá. 

2007 Exposição Sergio Lima. O Retorno ao Selvagem” retrospectiva na Fundação Cupertino Miranda em Famalicão/Portugal. 

2008 Exposição coletiva “ Voz dos Espelhos”, Galeria Municipal Artur Bual, em Amadora/ Portugal. Curadoria de Miguel de Carvalho 

2012 Exposição internacional de collages “À luz dos castelos envidraçados”. Museu Municipal Santos Rocha, Figueira da Foz/Portugal. Curadoria de Miguel de Carvalho e Rik Lina. 

2016 Exposição individual “Sergio Lima: Fogo ténue Incendia o Corpo “ na Fundação Cupertino Miranda . Curadoria de Antonio Gonçalves. Textos de Alex Januário, Antonio Gonçalves, Olívia Ribeiro, Pedro Álvares Ribeiro e Perfecto Cuadrado. 

2022 Coletiva “Olhar 70” acervo da Fundação Stickel. Galeria MaPa. 

2023 Coletiva “Une géopolitique de PHASES”. Maison André Breton, França. Curadoria de Richard Walter. 

COLEÇÕES PÚBLICAS / PUBLIC AWARDS 

MAC, SP
IMS, SP
MAB-FAAP, SP
Pinacoteca “Jorge Camacho” Almonte/Espanha
Universidad La Laguna,St Cruz de Tenertife/ Canárias
Coleção Menú Cadernos de poesía, Cuenca/Espanha
Fundação Cupertino Miranda, Portugal

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